Uma reflexão sobre oportunidades — Análise do filme Entre Mulheres
Qual a importância da diversidade nas posições de poder?
Ter pessoas diversas ocupando posições de poder, significa tomadas de decisão mais assertivas e abrangentes. Uma vez que elas considerarão diferentes pontos de vista sobre ver, ser e estar no mundo.
Mas e quando as posições de poder estão ocupadas apenas por um único perfil e há uma estrutura profundamente consolidada que impede sequer questionar a situação?
Numa comunidade, em que os homens são os únicos que podem aprender a ler e escrever, ter dinheiro, propriedades, autoridade e principalmente voz, para opinar, orientar, autorizar, ordenar.; as mulheres vivem em completa submissão, podendo apenas realizar o trabalho doméstico e nas plantações, cuidar da casa e dos filhos.
Analfabetas e totalmente isoladas do mundo — sem televisão, internet, rádio ou jornal — elas se agarram na fé para moldar seus pensamentos e comportamentos, sendo resignadas, benevolentes e resilientes na esperança de terem seu lugar no paraíso.
Quando muitas dessas mulheres começam a acordar ensanguentadas, machucadas, com dores no corpo e sem lembrar da noite anterior, são acusadas de estarem tendo delírios malignos, possuídas pelo diabo ou apenas — imaginando coisas.
Um sistema hegemônico que tenta silenciar e descredibilizar esses acontecimentos, fazendo as vítimas questionarem o que se passava com seus próprios corpos. E, mesmo quando a verdade é descoberta, as fazem questionar o seu direito de denunciar e exigir reparação pelos abusos coletivos.
Filme Entre Mulheres e a colônia menonita na Bolívia.
O filme “Entre Mulheres”, lançado em 2023 aqui no Brasil, foi escrito e dirigido por Sarah Polley e é inspirado no livro Women Talking, de Miriam Toews, lançado em 2019, inspirado no caso de uma comunidade menonita da Bolívia.
Menonitas são grupos religiosos que vivem em comunidades isoladas, sem acesso a qualquer modernidade — seja meios de comunicação ou veículos motorizados — vivendo apenas de atividades agrícolas e pecuárias. Apenas os homens aprendem a ler e a escrever e podem estudar, como também somente eles podem ocupar papéis de liderança, com voz para decidir os rumos de suas famílias e da comunidade.
Mulheres são responsáveis pelos trabalhos da casa e do campo e todos acreditam que o trabalho duro lhes abrirá as portas do céu.
A descrição parece de um contexto de séculos atrás, mas não, essas comunidades existem até hoje e o caso que inspirou o filme aconteceu em 2005 sendo denunciado em 2009, em Manitoba, na Bolívia. Diante do medo, vergonha e receio de perderem seu lugar no paraíso, mulheres precisaram se unir para denunciar os abusadores.
No filme, estruturas religiosas muito fortes dificultaram a compreensão dos fatos e quase impediram as denúncias. E mesmo com a prisão dos suspeitos, as mulheres seguiram pressionadas, pois os demais homens da comunidade se uniram para pagar a fiança dos presos e deram um ultimato a todas elas: perdoar ou condená-los e perder seu lugar no céu e na comunidade.
Fortalecendo o patriarcado, a submissão religiosa e aos homens da casa e a ideia de que o perdão deveria prevalecer, sem consequências para os abusadores.
Encurraladas pelo sistema autoritário e religioso — que as fazia temer — se viram diante de uma escolha: perdoar, ficar e lutar por mudanças ou ir embora. Juntas, em diálogos potentes, honestos, muito profundos e emocionantes elas precisam decidir não só os seus destinos, mas o de toda a comunidade.
E mesmo sem saber ler e escrever, ou ter qualquer acesso a estudos e ao mundo externo, esbanjam sabedoria, por suas experiências de vida, como mães, filhas, esposas, irmãs. Tendo aprendido desde cedo a cuidar, a agir em benefício do outro, sempre com muita fé e perseverança.
Tão sábias que conseguiram reconhecer as estruturas que permitiram que elas chegassem até ali, como poderiam se livrar disso e quais as consequências. De forma clara, generosa e muito corajosa elas se unem e se movimentam pelo bem de todas as gerações de mulheres daquela comunidade.
Os fundamentos da falta de diversidade
Traçando um paralelo com nossa sociedade, podemos refletir em como vivemos e convivemos com a falta de diversidade e, muitas vezes, por diversas razões, sem questionar.
Vamos pensar na falta de diversidade em cargos de gestão, seja em empresas ou na política, quantas mulheres você conhece ocupando esses cargos? Quantas delas são negras, LGBTQIA + ou vieram de uma formação totalmente pública?
Como no filme o sistema patriarcal que permitiu a sequência de abusos quase garantindo a impunidade, na nossa sociedade temos o machismo, o patriarcado e a desigualdade social permitindo a perpetuação da falta de diversidade.
Apesar de termos visto evoluções históricas da posição de mulheres na sociedade, oriundos de movimentos feministas que se consolidaram em leis e direitos mais igualitários, ainda existem estruturas que dificultam, e muito, a ascensão das mulheres.
A começar pelo excesso de trabalho desempenhado por elas: na busca por autonomia e independência, mulheres construíram suas carreiras profissionais, mas muitas ainda acumulam a responsabilidade do trabalho doméstico, da criação dos filhos, da gestão da casa e até de suporte aos seus companheiros.
A exaustão física e mental, consequência de tantas responsabilidades, significa menos horas de dedicação aos estudos, atividades de lazer ou descanso.
Em contextos de maior pobreza, as meninas são as mais prejudicadas também, ao serem as primeiras escolhidas para largar os estudos e ajudar a cuidar da casa e dos irmãos mais novos. Novamente, atrasando suas chances de construir uma carreira.
Sem falar do contexto de segurança, em que é mais arriscado para uma mulher voltar sozinha à noite da escola ou faculdade em um transporte público, do que para um homem, por exemplo.
Essas e tantas outras questões são situações rotineiras que fazem com que as oportunidades não sejam as mesmas para homens e mulheres e o cenário piora quando ampliamos essa lupa para grupos minoritários.
Portanto, para além de aspectos religiosos, que também existem e agravam esse contexto, já convivemos com muitas outras estruturas que impedem maior diversidade em posições de poder.
E como no filme, uma mudança importante como essa, só é possível em um momento coletivo, organizado e consciente.
Educação para dar autonomia. Ação coletiva para gerar impacto.
Olhando para situações como a retratada do filme, muitos alertas soam. E todos eles indicam uma precariedade principal — a falta de autonomia.
No filme, a falta de conhecimento e uma influência religiosa extremista retiraram dessas mulheres suas chances de serem independentes, terem seus desejos e opiniões respeitadas, com autonomia sobre seus corpos e acesso ao mundo externo.
Na nossa sociedade, são a desigualdade social, o machismo, preconceitos, discriminações que retiram das mulheres e outras minorias as suas chances de ascensão.
Em ambos os casos, a educação é a chave. Educação para ampliar o entendimento sobre si e sobre o mundo, conhecer diferentes possibilidades de existências, seus direitos e deveres, desenvolvendo o senso crítico, dando recursos para cada indivíduo interpretar o mundo e tome suas próprias decisões.
E pra isso acontecer é preciso um movimento coletivo e intencional, dos cidadãos em prol da diversidade. Compreender o papel de cada um no exercício da cidadania com foco na redução das situações que alimentam e mantêm sistemas homogêneos.
Tendo em mente que quanto mais diversidade existir em cargos de poder, mais tornaremos as tomadas de decisões abrangentes, capazes de atender diferentes necessidades em diferentes contextos, rumo a redução de desigualdades.
Um movimento circular, que precisa primeiro ser compreendido para então ser combatido. Para não ficar isolado, sem autonomia e sem voz, como exemplifica inicialmente a comunidade de mulheres no filme.
E em como elas conseguem se unir, articular, ponderar sobre prós e contras, considerando o entendimento de cada uma sobre a situação, para decidirem em benefício da comunidade.
Num movimento lindo e corajoso, sobre diálogo e escuta ativa, considerando o bem coletivo acima do individual, mesmo diante de tanta dor que elas estavam enfrentando.
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